Com o papa Francisco, telejornais estão transpirando água benta

Por Leonardo Sakamoto, em seu blog:

 O Estado é laico. Isso significa que ele deve defender a livre expressão religiosa de todos, sem tomar partido de nenhum credo especificamente. Garantindo, por outro lado, que a manifestação da fé de alguém não se torne motivo para suplício e sofrimento de outros.

Quando o Estado concede por tempo determinado, sob contrato e com regras de utilização o espaço público para fins privados, a mesma regra deveria ser aplicada. Ou seja, esse espaço não poderia ser usado para promocão de determinado credo em detrimento a outros.

 Por ocasião da posse do novo papa, a Globo – que desfruta de uma concessão pública para transmissão de seu sinal – transformou parte de seus programas jornalísticos em apêndices de assessoria de imprensa do Vaticano. Deu para sentir a água benta respingando da tela durante os telejornais.

 Não digo isso pelo tamanho da cobertura. Mas pela total falta de senso crítico da mesma. O espírito crítico está longe de ser santo, mas é um dos elementos que diferencia a atividade jornalística de outras, como da publicidade. E a emissora faz valer esse senso crítico ao cobrir política, por exemplo. Por que ignora isso ao tratar de outras relações hegemônicas?

Quem acha que isso não diz respeito aos não-católicos não tem ideia de quanto a instituição em questão continua influenciando o cotidiano das pessoas em um país como o nosso. Basta ver como as liberdades individuais são limitadas pela disputa simbólica, política e legal levadas a cabo por representantes da Igreja Católica. Situação que é reafirmada sistematicamente através de veículos de comunicação.

 É claro que a mesma lógica da concessão pública se aplicaria a igrejas evangélicas neopentecostais que compram espaços em redes, como Band e Rede TV, para fazerem o que bem entenderem, incluindo espalhar visões não muito abonadoras sobre a dignidade e a liberdade. Essas igrejas são o que são porque aprenderam há muito a se aproveitar das concessões públicas de rádio e TV para o marketing de sua fé. Uma delas, inclusive, a Universal do Reino de Deus, é dona da Record.

 Muitos religiosos apontam o dedo para o amor dos outros chamando-o de promiscuidade. Promiscuidade é a pornográfica relação entre o público e o privado que se estabelece em muitos casos como esses. Porque, repito mais uma vez, concessões de rádio e TV não deveriam ser absolutas e não poderiam ignorar a laicidade do Estado.

O mesmo não se aplica a jornais, revistas e outros meios que não contam com concessão para transmitir seu conteúdo. Eles podem fazer o que quiserem, professando ocredocque melhor lhe aprouverem, respeitando as regras de civilidade e a dignidade alheia, é claro. Porque esta não é uma discussão para calar a voz de religiões, mas – pelo contrário – garantir que o Estado cumpra sua função de abraçar a todos, sem distinção, dando a todas as crenças a mesma oportunidade. Estado é Estado, religião é religião.

 E não sou eu quem diz isso. Em Mateus, capítulo 22, versículo 21, o livro sagrado do cristianismo deixa bem claro o que o pessoal de hoje quer fazer de conta que não entende: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus, o que é de Deus”.

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Apêndice do post produzido às 16h30 do dia 19/03/2013: 

Por conta deste post, muita gente me enviou a famigerada frase “não está satisfeito com que passa em uma TV, desligue o canal”. Ah, como eu gostaria de desligar o mundo inteiro de vez em quando! (Menos os comentaristas do blog, que me fazem rir) Mas não dá. O problema não é o que vou assistir, mas os monstrinhos que a TV vai formando e vão ter que conviver conosco, em sociedade.

A resposta rasa é ótima como mantra da associação dos donos de veículos de comunicação, mas não para uma discussão sobre qual sociedade queremos. E vamos lendo bizarrices no blog com o mesmo DNA:

“Quer que ninguém mexa com você? Não se vista como uma vagabunda.”

“Gays podem fazer o que quiserem. Desde que não façam isso em público.”

“Quer ter liberdade de cátedra? Não dê aula em uma universidade católica.”

Ou seja, você, que se sente oprimido pela maioria ou fica revoltado com o status quo, tem sim uma opção: mude-se ou mude o seu comportamento. Antes que a gente vá até aí e te dê um sova.

Enfim, Brasil. Ame-o ou deixe-o.

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