Manifestantes defendem internet livre em aula pública no Masp

No sítio da União da Juventude Socialista - UJS

Neutralidade na rede. O conceito ainda é novidade, mas sua forma é bastante disseminada. É como conhecemos e nos relacionamos com a internet atualmente, onde todos os conteúdos são livres e tratados igualmente. Hoje, é possível fazer downloads, compartilhar, se expressar sem maiores restrições. Mas, se depender das empresas de telecomunicações e das corporações detentoras de direitos autorais, a liberdade na rede está com os dias contados.
 O alerta foi dado na Aula Pública Contra o Controle da Internet, na noite fria de terça-feira (23), no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp), na capital paulista, onde militantes e especialistas em novas tecnologias se revezaram na divulgação das informações sobre o texto do projeto de lei (PL) que institui o Marco Civil da Internet e aguarda votação na Câmara dos Deputados. O marco civil regulatório é um projeto de direitos e deveres civis na internet e foi construído com a sociedade civil, em uma plataforma colaborativa, chegando a receber mais de duas mil contribuições. O governo acatou o projeto e encaminhou ao Congresso Nacional. Na Câmara foi criada uma comissão especial para discutir e promover audiências públicas, em Brasília e em outras regiões do país.

De acordo com os defensores do PL, ele tem sido tratado internacionalmente como um dos projetos mais avançados nesse setor, que mantém a internet livre, criativa e democrática. “O Brasil poderá ser uma referência mundial nessa questão. A internet está em risco em todo mundo a partir da pressão das grandes empresas de telecomunicação e das corporações de direito autoral da indústria de copyright”, alertou a jornalista comunista Renata Mielli, integrante do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, referindo-se ao forte lobby exercido nas casas legislativas por esses grupos empresariais.

Isso porque o relator do projeto, o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), apresentou seu parecer no final de 2012 e manteve nele um dos pontos pilares do texto, o conceito de neutralidade na rede. É justamente por conter essa definição da rede que ele vem sofrendo pressão e ainda poderá ser modificado como já foi com a inclusão do parágrafo 2º, artigo 15, que estabelece a retirada de conteúdos da internet com base na lei de direitos autorais (copyright), sem a necessidade de uma ação judicial, como é feito atualmente. A ideia é que se institua garantias de permanência desses conteúdos ou que se dificulte sua retirada, o que caracteriza censura.

 “Estamos vivendo um momento muito importante, a partir das denuncias do Snowdem [Edward Snowdem ,ex-agente da CIA] de que estamos sendo vigiados e investigados. Nossos dados e conteúdos estão sendo quebrados. Então é importante que toda essa discussão a gente se aproprie, mande mensagens no Twitter, Facebook, email para os parlamentares dizendo ao Congresso Nacional: queremos o marco civil já, um marco civil que defenda direitos e liberdade de expressão, que garanta internet livre para todos”, pontuou Renata Mielli, frisando que esse relatório está para votação desde o ano passado e não é votado por interesses contrários à neutralidade da rede.


 “A mágica de transformar a internet em televisão por assinatura” 


 A advogada Veridiana Alimonti, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), especialista no tema, fez uma explicação didática sobre o conceito de neutralidade na rede (utilizada na abertura da matéria) e complementada aqui por suas palavras: “A neutralidade da rede é o coração da internet, mexer nisso é mudar a internet como a gente conhece hoje, é corromper a internet. É a garantia de que todos os dados que passam pela rede devem ser tratados igualmente. Uma empresa não pode decidir que um vídeo de um site seja mais rápido ou mais devagar do que um vídeo de outro site concorrente e não pode bloquear o acesso a informações importantes que estão na rede”.

Ela contou que, além de mudar o tráfego de dados na rede para se beneficiarem, as empresas de telecomunicações, as telecoms, pretendem fazer a “mágica” de transformar conteúdo livre em pacotes de serviço, lembrando que essa prática começou a ser feita há alguns anos, por empresas de acesso à internet, que também detêm os direitos de comercializarem TV a cabo, começaram a reduzir a velocidade dos vídeos na internet para forçar as pessoas a comprarem seus serviços.

“Além de mudar o tráfego do serviço para se beneficiarem, elas querem oferecer um serviço que se encaixe em seu perfil. Veja bem, se você acessa mais e-mails e redes sociais, ‘ah então vou preparar um plano que se encaixe direitinho pra você. Mas se você quiser ver vídeo, ai a velocidade vai cair. Mas se quiser ver vídeo, paga um pouquinho a mais. É a mágica de transformar a internet em uma televisão por assinatura com pacotes básico, premium e máster”, exemplificou Veridiana Alimonti, lembrando que hoje em dia nada é bloqueado e nem a velocidade deveria ser diferenciada conforme o pacote adquirido pelo usuário. “Se as empresas fazem isso, o que às vezes elas fazem, isso está em desacordo coma regulação. O que elas querem é legalizar a abusividade, elas querem legalizar a descriminação incorreta que elas já fazem. Então, elas dizem que o marco civil as prejudicará. É fundamental entender o que é esse conceito para ter clareza do que está em jogo neste momento. Defender a neutralidade da rede é defender a internet como a gente conhece hoje é defender a capacidade de se comunicar, de trocar e da liberdade na rede”, concluiu.

 Todos os que falaram para a plateia presente reforçaram a importância de pressionar pela sua aprovação neste momento em que “nos encontramos numa encruzilhada” como descreveu João Brant, do coletivo Intervozes. “Estamos lidando com um tema que tem tanto o Estado quanto as corporações como possíveis ameaças. Então, queremos que o Estado assuma seu papel de garantidor de direitos também para o acesso à internet. A internet hoje é uma ferramenta de participação como a gente nunca viu e também uma ferramenta de controle que a gente nunca viu, são dois potenciais que precisamos ter clareza”, disse ao final da aula pública.

 “Agora que é importante entrar nessa batalha, porque é agora que está sendo decidido o futuro de uma comunicação que vai se estender por muito tempo. Quem controlar os cabos da internet vai controlar toda a comunicação que se fizer no mundo”, declarou Pedro Ekman, também do Intervozes.

  Vigilância na rede

 O ativista Sérgio Amadeu, integrante do Comitê Gestor da Internet, lembrou da importante denúncia feita por Edward Snowdem, ex-agente da CIA, de que o governo dos Estados Unidos pratica espionagem ilegal, articulado por empresas como a NSA, que não passa de uma agências de espionagem estadunidense que conta com apoio de grandes corporações de tecnologia para efetivar seu serviço de “inteligência” como a Microsoft. “A política de privacidade de produtos da Microsoft faz com que as denúncias do Snowdem pareçam bem menores. Um exemplo é a política do sistema operacional Windows, contida no próprio site da Microsoft”, contou Sérgio Amadeu.

Com auxílio de um projetor de imagens, que lançava as definições da corporação no teto do vão livre do Masp, Amadeu reforçou a importância de alertar a todos para os riscos que já estamos correndo, tendo em vista que as empresas já acessam as informações de nossos computadores com cláusulas de contrato que autorizam tal prática. “A Microsoft pode acessar ou divulgar informações sobre você incluindo o conteúdo de suas comunicações para cumprir a lei ou responder solicitações legítimas ou processos judiciais, proteger os direitos de propriedade da Microsoft ou de nossos clientes, incluindo a aplicação de nossos contratos, adotar providências quando acreditamos que, de boa fé, esse acesso ou divulgação seja necessário para proteger a segurança pessoal de funcionários da Microsoft, dos clientes ou do público em geral”, diz um dos trechos que é complementado com a seguinte afirmação: “Os relatórios ou programas de aperfeiçoamento da experiência dos usuários também contém informações de eventos em seu PC de até 7 dias antes de você decidir participar do programa”. Ou seja, mesmo antes de você concordar, eles já estão coletando dados.

  Ações diretas

 Virgínia Barros, a Vic, presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), que também falou durante a atividade, lembrou que os estudantes estão nessa “luta” e que é preciso ocupar todos os espaços possíveis para chamar a atenção da sociedade para os riscos de alteração do PL e a aprovação da forma como querem as telecoms. “Precisamos levar essa informação para um número cada vez maior de pessoas para que possamos fazer pressão para a aprovação do marco civil da forma como queremos. A gente sabe que o Congresso Nacional que temos hoje é representação econômica do Brasil. Ali tem gente que representa a Globo, e tem o Paulo Bernardo, que acabam tendo muito mais peso do que a gente”, lamentou.

 Vic sugeriu que os ativistas presentes divulguem e participem de atividades que já estão marcadas, como a segunda edição do evento cultural Anhangabaú da FelizCidade, que acontecerá no sábado (27), a partir das 12h. Às 14h haverá uma discussão sobre o marco civil e sobre banda larga e, às 17h, um debate sobre o projeto de lei de iniciativa popular que democratiza a mídia.Além disso, também sugeriu que os coletivos de comunicação participem de uma plenária, no dia 22 de agosto, em Brasília, promovida pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. “A ideia é fazer um ato na Câmara pela aprovação do marco civil. Além disso, é como já disseram aqui: vamos fazer pressão para os parlamentares telefonando, mandando [mensagens de] email, batendo na porta do gabinete e na porta da casa do deputado para fazer com que não comprem o discurso das telecoms e de empresas que detêm o monopólio do setor, como a Rede Globo”, encerrou a presidenta da UNE.

Durante a aula pública, integrantes do coletivo Ocupe a Mídia, como o músico Daniel Scandurra, de 25 anos, realizaram uma intervenção poética no relógio digital instalado no canteiro central da avenida Paulista, em frente ao Masp. “Queremos colaborar com a iniciativa da aula pública, que toca em um ponto bastante importante que é o direito autoral, usado pelas gravadoras para manter esse sistema de apropriação da obra do artista. Além disso, o local é bastante representativo, bem em frente ao Masp, um espaço de arquitetura da cidade que aprecio bastante”, explicou Scandurra, que vem disseminando as intervenções em espaços como esse desde 2010, juntamente com amigo, quando os relógios não estavam funcionando por falta de licitação pública da propaganda em São Paulo.

“Pretendemos reivindicar que uma parte desses relógios seja ocupada por mensagens que não sejam de corporações, de empresas, mas que contribuam para um espaço público mais democrático”, completou Scandurra.

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