Por José Sergio Gabrielli de Azevedo, no blog do Miro:
Com o agravamento da crise econômica e política, o governo enfrenta três grandes desafios na gestão da economia no curtíssimo prazo: como ajustar o déficit previsto para o Orçamento de 2016, como minimizar o impacto inflacionário da disparada do dólar e como apresentar um horizonte de retomada do crescimento no médio e longo prazos.
Todos são problemas de soluções complexas no âmbito da Economia, mas não encontram saída a não ser através da negociação política, tanto com o Parlamento, que tem a ultima palavra do ponto de vista institucional na aprovação dos marcos legais, como com a sociedade, que sofrerá os seus impactos e que pode influenciar os parlamentares, seja na direção que se consolida através dos meios de comunicação e por ação da oposição, seja numa movimentação contra hegemônica, buscando alternativas menos custosas do ponto de vista social. Em ambos os casos, a movimentação é essencialmente política.
No que se refere ao cambio e juros é imprescindível uma mudança da gestão das reservas internacionais e na concepção das relações juros domésticos e inflação para que possamos sair da armadilha de curto prazo de metas inflacionárias anuais. Somente um novo pacto político permitirá esta mudança.
A retomada do crescimento precisa ampliar o horizonte temporal do ajuste macroeconômico com perspectivas de manter o ritmo do investimento e financiamento sustentável o que só será possível em uma perspectiva plurianual. A passagem pela fase de ajuste financeiro das contas de curto prazo precisa apontar caminhos para o que acontecerá depois da ponte atravessada. Sem isto, os agentes não se mobilizarão sequer para atravessar a ponte. Estes dois temas não serão aqui demais detalhados e nos concentraremos na questão orçamentária.
Em relação ao PLOA2016 há pouca margem de manobra no corte dos gastos. Quase 90% das receitas do Governo estão comprometidas com despesas de compressão muito difícil, envolvendo salários, aposentadorias, verbas atreladas ao comportamento da receita e vinculações constitucionais. As mudanças destes marcos legais demandarão tempo e um potencial agravamento da crise, especialmente no que se refere aos seus efeitos sobre grupos sociais mais atingidos positivamente pelas políticas sociais que necessitarão de cortes.
Do ponto de vista das receitas, a Carga Tributária Bruta já atinge cerca de 35% do PIB havendo pouco espaço para sua elevação geral. No entanto, como a matriz tributária brasileira é muito regressiva, com os pobres pagando relativamente mais tributos do que os mais ricos, há alguma espaço para alterar sua estrutura, aumentando sua progressividade.
Considerando que a maior fonte da injustiça arrecadatória é a predominância dos impostos indiretos sobre os diretos esta mudança teria maior impacto. No entanto, esta reforma tributária precisaria mudar substancialmente o sistema do ICMS, com enormes repercussões no pacto federativo e na repartição dos tributos entre União, Estados e Municípios, o que torna praticamente impossível sua realização no curto prazo.
Os impostos ligados a produção e importações correspondem a quase metade da carga tributária total. A distribuição da carga tributária brasileira por bases de incidência revela que a tributação de propriedades correspondia apenas a pouco mais de 3% dos tributos, com o imposto de renda sendo responsável por 22% e as Contribuições Providenciais, FGTS e PIS-PASEP, correspondendo a quase 28% dos recolhimentos.
Referentes ao ano de 2013, com base no IR de 2013, a Fazenda Federal divulgou dados que mostram que os rendimentos exclusivamente tributados na fonte correspondiam a mais ou menos 4% do PIB. Entre estes rendimentos, que pagam em geral 15% de alíquota de IRPF, 52% eram provenientes de rendimentos de aplicações financeiras e ganhos de capital.
Com base nos mesmos dados, um estudo de um economista, que não se afina politicamente com o atual governo [1] , mostra que os rendimentos isentos e não tributáveis correspondem a 12,8% do PIB. Entre tais rendimentos encontram-se os lucros e dividendos que no Brasil, desde 1995, não pagam IRPF sob a alegação de que poderia haver bitributação, uma vez que as empresas que geraram esta renda já pagaram o seu IRPJ. Existem poucos países no mundo que tem esta liberalidade brasileira com os detentores de rendimentos da propriedade, com muito deles adotando alíquotas diferenciadas para este tipo de rendimento, ou adotando alguma forma de compensação dos tributos já cobrados na fase de pessoa jurídica.
Há que se separar daqueles 12,8% do PIB, cerca de 3% que se enquadram como rendimentos isentos, mas correspondem as cadernetas de poupança, de amplo uso no pais para acumular poupanças de pessoas de menor renda. Isto leva a uma estimativa grosseira de que mais ou menos 9% do PIB correspondem aos lucros e dividendos, possibilitando uma base tributária que poderia aumentar a arrecadação federal, digamos, em 0,9% da produção interna do pais se a alíquota incidente sobre esta fonte fosse de 10%.
Também no que se refere aos tributos sobre renda proveniente do trabalho assalariado a alíquota máxima brasileira de 27,5% não somente é baixa, comparativamente a outros países, como sua incidência ocorre sobre rendimentos muito baixos, em torno de 4,8 mil reais de salários mensais.
Aumentar a alíquota máxima e ter alíquotas mais progressivas a partir de níveis mais altos de rendimentos poderia também corrigir a regressividade de nossos impostos. Além do nível da alíquota formal que poderia ser alterada, também poderiam ocorrer ajustes na alíquota efetiva com mudanças no sistema de deduções que cada um pode fazer para calcular seu IRPF efetivo, onde as despesas com saúde privada, por exemplo, não apresentam limites superiores, beneficiando diferenciadamente as pessoas com maior nível de renda, que podem adiantar a despesas com planos de saúde, hospitais e médicos privados.
Esta discussão sobre o IRPF atinge um pouco mais de 14 milhões de brasileiros, que são aqueles que declararam em 2012 tem algum imposto a pagar, equivalentes a um pouco mais de 7% de nossa população.
Dentre estes, aqueles que poderão a ser atingidos por estas mudanças propostas representam uma parcela muito pequena. Se nós tomarmos apenas aqueles contribuintes do IR com rendimento tributável superior a 20 salários mínimos [2] eles correspondem a um pouco menos de um terço de todos os rendimentos tributáveis de 2012, mas foram responsáveis por mais de dois terços do IRPF recolhido, o que mostra o seu potencial contributivo. Utilizando-se de dados da PNAD, o estudo anteriormente citado sugere que esta faixa de rendimentos conta com 0,64% da população brasileira, portanto um pouco mais da metade de um por cento dos brasileiros.
Estas mudanças do IRPF apesar de atingirem poucos pessoas, atingem aqueles com maior renda e com maior poder de influenciar os tomadores de decisão, a opinião publicada e os meios de comunicação. Atingem, portanto aqueles com maior poder de convencimento dos parlamentares que utilizarão o falso argumento de que a classe média já está penalizada pela Carga Tributária para se opor a este ajuste da injustiça de nosso sistema de tributos.
Só a mobilização política e uma campanha em torno de difundir que 0,6% da população, que mais ganha, pode ajudar a sair da crise, no lugar dos cortes de programas sociais, salários e aposentadorias de servidores e pensionistas pode reverter esta conjuntura contra o Governo. O núcleo político do Governo está disposto a fazer este deslocamento de base de apoio em direção à sociedade?
Notas:
1 - Afonso, Jose Roberto. Imposto de Renda e Distribuição de renda e Riqueza: As Estatísticas Fiscais e um Debate Premente no Brasil. Revista da Receita Federal: estudos tributários e aduaneiros [S.I.], v. 1, n. 1, pp. 28-60, Ago/Dez 2014 http://www.revistadareceitafederal.receita.fazenda.gov.br/index.php/revistadareceitafederal/article/view/97.
2 - Castro, Fábio Avila de. Imposto de Renda da Pessoa Física: Comparaçoes Internacionais, Medidas de Progressividade e Redistribuição, UNB, 115 pp. 2014, Departamento de Economia, UNB (Dissertação) Bugarin, M. c. Available from http://repositorio.unb.br/handle/10482/16511.
*José Sergio Gabrielli de Azevedo é professor aposentado da UFBa.
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