Não é possível compreender a discrepante desigualdade social no Brasil, sem se utilizar do conceito de raça enquanto categoria de análise.
 Desde que o Brasil é Brasil que a pobreza e a riqueza têm cor, sendo que as políticas de exclusão nunca visaram mudar as estruturas sociais, mas sim, manter as que já existem. É com base nisso, que no fim do século XVIII, período correspondente à abolição da escravatura, as teorias raciais eclodem.
Outra lei criada na perspectiva de manter o alijamento social da população negra é a lei da vadiagem implantada poucos anos depois da abolição da escravatura. Legitimando o encarceramento desta população liberta ''sem era nem beira'', jogada nas ruas com ''uma mão na frente e a outra atrás''. É preciso compreendermos que ao final do século XIX e inicio do século XX, uma serie de leis, serão criadas de modo a aumentar o controle social, sobre a população negra.
Analisando por alto a sociedade brasileira é possível que se tenha a ilusão da existência de uma linearidade histórica, porque os lugares dos personagens históricos no cenário brasileiro permanecem os mesmos; o chicote só muda de nome e continua rasgando apenas o lombo do negro, mas, basta ir um pouco mais fundo para perceber que os sujeitos da História atuam de forma que o status quo se mantenha. Se os homens que compunham a elite política e econômica brasileira indenizassem os negros e negras e criassem políticas que garantisse a sua mobilidade social, com certeza a realidade atual seria outra.
Note um exemplo prático de como as instituições são geridas de forma a manter as hierarquias sociais. No Brasil escravocrata, o escravizado era juridicamente considerado ''coisa'', esse prescrito jurídico dava direito ao dono do escravizado a fazer o que bem entendesse com a ''coisa'' que possuía. Depois da abolição da escravatura, o racismo científico se encarrega de ratificar que essa população liberta não tinha alma, era degenerada e propensa ao crime, praticamente uma coisa.
As teorias raciais não são criadas no Brasil, elas são importadas da Europa e adequadas ao contexto brasileiro pelos supostos cientistas da época. Afinal de contas, nessa época ser um cientista, ou melhor, ser um homem da ciência, era moda. Que o diga Silvio Romero, quase um Simão Bacamarte da ciência do século XIX.
O racismo científico vem para explicar e naturalizar a diferenças de classe a partir do viés racial. Tendo como um dos porta-vozes o já citado Silvio Romero e o não menos polêmico Raimundo Nina Rodrigues. Estes dois ''cientistas'', respectivamente, integrantes da Faculdade de Direito e de Medicina tinham sérias divergências teóricas. Enquanto Silvio Romero acreditava que seria possível a formação de uma verdadeira nação brasileira a partir do cruzamento das três raças, supondo que com o advento da miscigenação ocorreria à predominância da raça branca, tida como superior, e o desaparecimento da raça negra. Nina Rodrigues afirmava que isso seria impossível, pois, a raça degenerada (a negra) causaria desequilíbrios e perturbações psíquicas. Porém, ambos concordavam em um ponto, a pobreza era um legado merecido àquela raça não evoluída, assim afirmavam eles.
O desenvolvimento das instâncias legislativas e educacionais no Brasil é constituído com o objetivo de barrar a ''população de cor''. Inclusive são os intelectuais difusores do racismo científico brasileiro que vão ocupar lugar de destaque nas primeiras Universidades, Institutos de Pesquisa e demais instituições de ensino do Brasil ainda muito principiante no assunto ciência; quase um bebê.
As Universidades foram por muito tempo Instituições de ensino sustentadas pelo estado para alegar e reproduzir dentre a sociedade a suposta existência de raças, o que é chamado de racialismo, e indo absurdamente mais além, a existência de uma hierarquia entre essas raças, o que é denominado racismo.
A população negra tem lugar teve seu lugar guardado no mento de fazer a massa, carregar o bloco e carregar peso, mas, na hora de ocupar um lugar nas cadeiras das primeiras Instituições de ensino, esse direito lhe é negado.
Na tentativa de sanar essa dívida histórica do Estado brasileiro são implantadas as políticas de ação afirmativa, como por exemplo, as cotas, que garantem o acesso do povo negro à Universidade. A politica de cotas no Brasil é implantada pela primeira vez em 2004 na Universidade Federal do Rio de Janeiro enquanto política de governo é transformada em política de Estado por meio da sanção da lei 12.711/2012 pela então Presidenta Dilma Rousseff. No total a lei completa 10 anos de implantação em 2014, o que exige um balanço da sua efetividade e eficácia.
Os estudos já realizados comprovam que as cotas proporcionaram um aumento significativo da entrada da população negra na Universidade. Quantitativo ainda muito aquém do necessário, pois a entrada nos presídios e nos cemitérios é imensamente desproporcional a entrada na Universidade, o que prova que há algo de errado.
Houve muitos avanços nas políticas de acesso, porém pouco se avançou nas de permanência. Com a situação de vulnerabilidade social da maioria dos negros e negras que entram na Universidade, se faz necessária a implantação de políticas que garantam que esses regressos tenham condições de se manter no âmbito universitário, ainda muito opressor e excludente. É muito difícil permanecer em um local que tenta de todas as formas lhe mostrar que você é um intruso ali.
Existe um grande problema no acesso as bolsas de permanência, ainda insuficientes e deficitárias. O movimento estudantil precisa intervir e propor políticas de permanência eficazes; o estudante cotista tem que receber o auxílio que lhe é de direito sem passar por humilhações, constrangimentos e sem precisar ficar um semestre esperando. Os programas de permanência já existentes precisam funcionar de forma efetiva. O Estado brasileiro tem que pagar sua dívida, e nós militantes, estaremos aqui para cobrar sempre que isso se fizer necessário.
Seguiremos lutando por uma Universidade, pública, popular e de qualidade.
Regiane Regis é estudante de história da UFBA, militante do Coletivo Quilombo e do Coletivo Candaces.
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