Adiar a Reforma da Previdência é boa notícia para quem crê na democracia

Por Leonardo Sakamoto, em seu blog: 

 É deplorável quando políticos usam da chantagem para tentar convencer a sociedade de algo ao invés de convocarem um debate público honesto a respeito do tema. Desde o começo, o governo Temer tem usado desse expediente para passar à força uma polêmica Reforma da Previdência que não estava em nenhum programa eleito pelo voto popular. O presidente chegou a se gabar que usa impopularidade lhe permitia avançar com pautas amargas. 


De campanhas pagas pelo PMDB com imagens de cidades destruídas, passando por declarações da cúpula de governo de que as próximas gerações vão ranger os dentes e que não haverá recursos para as pensões ou de aliados afirmando que o país mergulhará num inferno sombrio de dor. O esgarçamento institucional promovido pelo processo de impeachment fez com que o Brasil trocasse o (já fraco e falho) diálogo pela pura ameaça como instrumento para governar.

 Analistas e representantes de mercado são reforçados como oráculos e suas palavras sobre o que acontecerá se a Reforma da Previdência não passar reverberam forte nos veículos de comunicação. Não explicam, porém, que também são os carrascos que executarão as punições alertadas em sua própria profecia caso o país não siga o caminho que eles consideram o único possível. 

 Não importa que a Reforma da Previdência alcance índice de rejeição da ordem de 71%, segundo o último Datafolha disponível. A população é tratada como um ser incapaz, que não sabe o que é melhor para si mesmo e precisa de tutela de iluminados. A grande beleza de uma democracia – e por isso tenho tanta saudade dela – é que as pessoas têm direitos, inclusive o direito de errar. 

 Como sempre digo neste espaço, sou favorável a uma Reforma da Previdência que adapte o país à sua realidade demográfica e proteja os direitos dos trabalhadores mais vulneráveis. 

 O problema é que, por trás do discurso de reduzir privilégios de quem se aposenta com salários gordos, o governo tenta passar de forma escondida mudanças que reduzem o valor da pensão de quem já se aposenta por idade no país, ou seja os mais pobres. Ou que dificultam a aposentadoria especial a trabalhadores rurais da economia familiar, apesar de simplesmente negar que isso vá acontecer – como se não soubéssemos ler as contradições presente nas mudanças previstas no artigo 201 com o que está no artigo 195 da Constituição Federal. 

 A Reforma da Previdência avançou para a zona de influência eleitoral e será muito difícil encontrar deputados em número suficiente para um harakiri público. Menos por mérito de estratégia da oposição social ou partidária, de empurrar esse debate para este momento, e mais como consequência de um governo mais preocupado em salvar seu pescoço da guilhotina da Lava Jato. Tentaram trocar Temer por Rodrigo Maia, na época da delação da JBS, a fim de entregar as encomendas, mas não rolou. 

 A maior parte da população não entendeu o que significava a Reforma Trabalhista devido a suas mais de 120 pontos alterações, muitas delas técnicas demais para o debate atropelado. Está descobrindo a partir de agora, com as demissões em massa e a precarização dos postos de trabalho já anunciados por empresas e a obrigação de trabalhadores derrotados na Justiça a pagarem os custos do processo. Contudo, o espírito da Reforma da Previdência era bem mais fácil de ser compreendido, para desespero dos seus defensores. 

 Há uma chance da proposta não conseguir ser aprovada até o início das eleições propriamente ditas, travando-a por completo até o final do segundo turno. Depois disso, há a chance algo passar. Conversei com fontes no Ministério do Planejamento que também apostam num plano B, o aumento de idade mínima de 15 para 25 anos. Isso passaria por lei ordinária e não emenda constitucional, necessitando maioria simples. Se houver uma taxa alta de renovação na Câmara, deputados poderão se vender uma última vez para tirar um troco antes de partir. 

 Espero, contudo, que a Previdência possa ser tratada sem açodamento, mas como parte de um projeto de país para os próximos anos. E isso só é possível dentro de eleições. À população deve ser permitida uma discussão ampla sobre o que significa mudar ou manter o sistema de aposentadorias, ouvindo argumentos pró e a favor em campanhas e debates. E votar na ideia que melhor lhe aprouver, sabendo dos impactos negativos dessa escolha. A partir daí, chancelada pelas urnas, a legitimidade para essa mudança reaparece e seja qual for a opção, terá respaldo para tanto. 

 Ao mesmo tempo, outras ações deveriam ser debatidas nas eleições. Como uma Reforma Tributária que traga mais justiça social, taxando os muito ricos em seus dividendos recebidos de empresas ou criando alíquotas mais altas, de 35% a 40% do Imposto de Renda para quem ganha muito. E reduzindo impostos sobre o consumo dos pobres e aumentando aqueles sobre o dos ricos.

 Claro que isso não vai resolver o problema da Previdência, mas pelo menos avançaríamos contra a desigualdade. 

 A Pesquisa Desigualdade Mundial 2018, que tem entre seus coordenadores o economista francês Thomas Piketty, indicou que quase 30% da renda do Brasil está nas mãos de apenas 1% de seus habitantes e 55% da renda com 10%. E qual o impacto disso no dia a dia? A desigualdade impede a reciprocidade, dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e as outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração. Ao mesmo tempo, gera a percepção (correta) de que o poder público existe para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres – ou seja, proteger os privilégios do primeiro grupo, usando de violência física, psicológica ou simbólica contra o segundo, se necessário for. 

 E, pior: faz com que uns poucos se achem no direito de decidir enquanto outro muitos acreditem que sua função é obedecer. Como consequência, o debate sobre o futuro do país, posto na forma da Reforma da Previdência, está sequestrado pelo andar de cima e precisa ser trazido para o meio da roça, para o canteiro de obra, para o chão de fábrica, para as lojas e escolas. Que venha, portanto, outubro de 2018.

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